[ENEM] Aristóteles e a felicidade do homem

 


Relevo em mármore, cena de banquete. Grécia, 400-350 a.c. 
A iconografia dessa peça é típica: o homem é acompanhado por sua esposa, servido de comida por um servo, tipicamente representado como uma forma menor, minúscula, pequena. Os gregos idealizavam as figuras masculinas, com corpos robustos, enquanto diminuíam a representação dos escravos. Sua estatura também representa subserviência diante do grande homem.   

A limitação da cidadania ao homem, implica na restrição da formação da amizade e da finalidade última da vida, a felicidade, aos homens? [Pergunta da Melissa da T2]

 Duas coisas, contudo, são cruciais: há uma inclinação à universalidade no conceito de homem de Aristóteles. A definição ampla é o homem é um animal político. Contudo, no processo de formação da pólis, os escravos e as mulheres tem seus lugares um tanto quanto pré-definidos, pois seriam incapazes de deliberação racional, necessária para a atividade política cívica.

Olha só o que Aristóteles escreve:

“É preciso, inicialmente, reunir as pessoas que não podem passar umas sem as outras, como o macho e a fêmea para a geração. Esta maneira de se perpetuar não é arbitrária e não pode, na espécie humana assim como entre os animais e as plantas, efetuar-se senão naturalmente. É para a mútua conservação que a natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro” (Aristóteles, Política, cap. A formação da Cidade, p. 2, grifo meu).

Aqui a restrição da cidadania ao homem biológico começa a insinuar. Observa agora a restrição do escravo:

“Pertence também ao desígnio da natureza que comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não possa contribuir pela prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Essa partilha é salutar para o senhor e para o escravo” (Aristóteles, Política, cap. A formação da Cidade, p. 2).

Aristóteles dirá ainda que a realização da finalidade de algo como a sociedade está no desígnio ou propósito de sua natureza. Como a família, a primeira sociedade natural para Aristóteles, surge da reunião do homem e da mulher e do senhor e do escravo, a sociedade perfeita é a realização ampliada da primeira comunidade, que consiste nessa dupla subordinação. Nesse sentido, o que qualificaria a essência de animal político da mulher e do escravo seria, assim, a subordinação política? Eu não sei responder ao certo, mas ficaria a pergunta, né? Penso que sim.

Ademais, sobre a felicidade: a realização da felicidade é a realização da finalidade última da comunidade política. Que haja hierarquização de subordinação na comunidade política, está claro, acredito. Mas talvez possamos pensar que, mesmo dentro dessa hierarquia, o bem-comum significa o bem de todos os pertencentes da comunidade, subordinados inclusive. Escravos e mulheres e cidadãos. Eles podem ser felizes, sim, mas como quero mostrar, eles não participam do processo de deliberação acerca da felicidade (como você bem aponta) pois, o correlato político da causa final (a deliberação das finalidades) é o homem, cidadão, enquanto o correlato político da causa eficiente (o que serve à finalidade) é o escravo ou o servo. E talvez, aqui eu estou especulando, o correlato político da causa material (a geração de outros homens e mulheres) é a mulher.

Não à toa, na doutrina das quatro causas, a causa final é a superior. É ela que delibera e usa o fruto do trabalho escravo.

Por último, quanto à amizade. Ela significa dar prazer e receber prazer de seus semelhantes. Então sim, você está certíssima, a amizade é formada de semelhante à semelhante e, nesse sentido, pode ser pensada de cidadão homem para cidadão homem. Contudo, a semelhança de animal político pertence ao escravo, à mulher e ao homem cidadão. Nesse sentido, a felicidade é de toda comunidade, ainda que ela seja hierarquicamente constituída sobre a divisão social de trabalho e de sexo/gênero. Salvo a diferença de finalidade e deliberação política, própria ao homem cidadão, do trabalho de formação dos meios e objetos (causa eficiente) a serviço do uso e desejo do senhor, próprias ao homem escravo, e a geração da matéria-prima do trabalho e da deliberação política, próprias ao homem (= animal político) mulher, salvo essas diferenças, a comunidade é dos animais políticos, homens, mulheres e escravos, hierarquicamente posicionados de modo fixo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bibliografia Filosofia: Vestibular UFPR 2025/2026

Planejamento Anual (por Aula), Currículo Básico e UFPR