[ENEM] Aristóteles e a felicidade do homem
A limitação da cidadania ao homem, implica na restrição da formação da amizade e da finalidade última da vida, a felicidade, aos homens? [Pergunta da Melissa da T2]
Duas coisas, contudo, são cruciais: há uma inclinação à universalidade no conceito de homem de Aristóteles. A
definição ampla é o homem é um animal
político. Contudo, no processo de formação da pólis, os escravos e as mulheres tem seus lugares um tanto quanto
pré-definidos, pois seriam incapazes de deliberação
racional, necessária para a atividade política cívica.
Olha só o que Aristóteles escreve:
“É preciso, inicialmente, reunir as
pessoas que não podem passar umas sem as outras, como o macho e a fêmea para a
geração. Esta maneira de se perpetuar não é arbitrária e não pode, na espécie
humana assim como entre os animais e as plantas, efetuar-se senão naturalmente.
É para a mútua conservação que a
natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro” (Aristóteles,
Política, cap. A formação da Cidade, p. 2, grifo meu).
Aqui a restrição da cidadania ao
homem biológico começa a insinuar.
Observa agora a restrição do escravo:
“Pertence também ao desígnio da
natureza que comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo
contrário, que obedeça quem não possa contribuir pela prosperidade comum a não
ser pelo trabalho de seu corpo. Essa partilha é salutar para o senhor e para o
escravo” (Aristóteles, Política, cap.
A formação da Cidade, p. 2).
Aristóteles dirá ainda que a
realização da finalidade de algo como a sociedade está no desígnio ou propósito
de sua natureza. Como a família, a primeira sociedade natural para Aristóteles,
surge da reunião do homem e da mulher
e do senhor e do escravo, a sociedade
perfeita é a realização ampliada da primeira comunidade, que consiste nessa dupla
subordinação. Nesse sentido, o que qualificaria a essência de animal político da mulher e do escravo
seria, assim, a subordinação política? Eu não sei responder ao certo, mas
ficaria a pergunta, né? Penso que sim.
Ademais, sobre a felicidade: a
realização da felicidade é a realização da finalidade última da comunidade
política. Que haja hierarquização de subordinação na comunidade política, está
claro, acredito. Mas talvez possamos pensar que, mesmo dentro dessa hierarquia,
o bem-comum significa o bem de todos os pertencentes da comunidade,
subordinados inclusive. Escravos e mulheres e
cidadãos. Eles podem ser felizes, sim, mas como quero mostrar, eles não participam do processo de deliberação acerca
da felicidade (como você bem aponta) pois,
o correlato político da causa final (a deliberação das finalidades) é o homem,
cidadão, enquanto o correlato político da causa eficiente (o que serve à
finalidade) é o escravo ou o servo. E talvez, aqui eu estou especulando, o correlato político da causa material (a
geração de outros homens e mulheres) é a
mulher.
Não à toa, na doutrina das quatro
causas, a causa final é a superior. É ela que delibera e usa o fruto do
trabalho escravo.
Por último, quanto à amizade. Ela
significa dar prazer e receber prazer de
seus semelhantes. Então sim, você está certíssima, a amizade é formada de
semelhante à semelhante e, nesse sentido, pode ser pensada de cidadão homem para cidadão homem. Contudo, a semelhança de animal
político pertence ao escravo, à mulher e ao homem cidadão. Nesse sentido, a
felicidade é de toda comunidade, ainda que ela seja hierarquicamente constituída
sobre a divisão social de trabalho e de sexo/gênero. Salvo a diferença de finalidade
e deliberação política, própria ao homem
cidadão, do trabalho de formação dos meios e objetos (causa eficiente) a
serviço do uso e desejo do senhor, próprias ao
homem escravo, e a geração da matéria-prima do trabalho e da deliberação
política, próprias ao homem (= animal
político) mulher, salvo essas
diferenças, a comunidade é dos animais
políticos, homens, mulheres e escravos, hierarquicamente posicionados de
modo fixo.
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