[ENEM – Avançado] A querela dos universais
Oi pessoal,
A Juliana me perguntou, referindo-se à uma questão na apostila de vocês que menciona uma tal de "Querela dos Universais". Antes de mais nada, é um tema difícil que, até onde sei, nunca apareceu no ENEM, e acredito ser dificílimo surgir no ano de vestibular de vocês. O ENEM privilegia questões mais gerais e, frequentemente, com soluções interpretativas do texto que antecede o enunciado.
Contudo, pode ser interessante nós entendermos um pouco dela até para que possamos julgar nosso próprio conhecimento sobre metafísica e ontologia, no geral. Além de que, a querela dos universais nos ajuda a entender os conceitos de universal, particular, de nome e de conceito como produto do pensamento.
O significado do termo querela é de uma disputa, em que diversos pontos de vista, teses e posições aparecem para defender algo em disputa. No caso, a querela gira em torno dos "universais", da natureza de sua realidade. Universal é, na filosofia, o que submete espécies ou entidades múltiplas sob seu conceito uno. Ou seja, como exemplo: o ser humano é um universal que subsume eu e vocês (múltiplos) no seu conceito, concordam? Dizemos que nós somos seres humanos. Nesse sentido, estamos imersos no universal humanidade ou ser humano. A mesma coisa ocorre com triângulo, ele é um universal geométrico que subsume todas as figuras cuja soma de ângulos internos seja equivalente a 180º (seja um triângulo isósceles ou escaleno, seja formado pelos ângulos das linhas AB = 1º, BC, 120º, o ângulo da linha CA será, por necessidade, 59º).
A pergunta que começa a ser feita, desde Platão até a modernidade, é se esse universal, "ser humano", "triângulo", "orquídea" ou "computador" 1) existe em si mesmo ou se 2) é apenas um conceito produzido pela mente humana, que generaliza os entes múltiplos e plurais, produzindo um ser universal e único. Ou seja, pensando na segunda hipótese, nós estaríamos abstraindo (subtraindo, excluindo, ignorando), as qualidades específicas dos triângulos escaleno e isósceles e formulando (pelo pensamento!) uma definição universal e geral de triângulo. Ainda analisando a segunda hipótese, abstraímos, as diferenças entre nós, seres humanos, altos, baixos, cidadão, estrangeiro, professor, estudante, e produzimos, pelo pensamento, um ser universal e único.
Se vocês concordam com essa segunda hipótese, vocês estão em um dos lados da Querela dos Universais, de que os universais são construtos mentais, artifícios produzidos pela mente humana. Chama-se conceitualismo essa posição, da existência do universal ser construída pela mente humana, pelo pensamento (quando o que é construído é o conceito, o pensamento cristalizado, que serve para agrupar o múltiplo existente, as vassouras de aço e de palha sob o universal vassoura, a tela do celular e do computador sob o universal tela). Se a posição é que é só uma construção do nome, chama-se nominalismo. O nome "humanidade" abarcando todos os seres humanos particulares.
A primeira hipótese, de que o universal existe em si mesmo, pode ser pensada a partir de Platão. Vocês conseguiriam pensar nela? O universal, a Ideia, para ele, teria uma existência diferente da construção, do nome que organiza a multiplicidade, ou do conceito que agrupa. A Ideia, para Platão, é pré-existente às coisas sensíveis. A Ideia de vassoura é anterior as vassouras, e as vassouras múltiplas são efeito dessa Ideia universal de vassoura. Na Querela dos Universais, os defensores dessa corrente eram entendidos realistas Curioso né? Platão costuma ser chamado de idealista, mas o que ocorre é que há um realismo das ideias ou, a realidade dos universais. Realistas mais radicais ou menos, o importante é que, na primeira hipótese, chamada de realista, há a existência real da Ideia que organiza o múltiplo.
Existem duas variações do realismo na querela dos universais. De que a ideia de vassoura é inerente (imanente) às vassouras múltiplas, e a de que ela é transcendente. Mas aí deixo com vocês para pensarem nisso. A imanência da ideia de vassoura seria de que há uma vassoureidade no interior de cada variação de vassoura. Uma cavaleidade no interior de cada cavalo e, para usarmos uma palavra utilizada comumentemente por nós, uma humanidade, no interior de cada ser humano.
Me impressiona pensar nesse tipo de coisa. É como se nossa gramática corrente admitisse um realismo na querela dos universais. Ao menos no que concerne à nossa humanidade comum, dentro de cada um de nós, variados seres humanos. Claro, vocês devem saber, Ailton Krenak critica esse realismo do universal humano mostrando não só como ele é um construto mental (conceitualismo) como também é socio-histórico e tem como um de seus efeitos, a exclusão de alguns seres humanos desse universal humanidade. Os 'sub-humanos', ribeirinhos, indígenas, negros, os povos subalternos, arremessados para fora da humanidade por meio do projeto colonialista.
Abraços,
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