[ENEM] A crítica da posse em Nietzsche


Paul Klee, Fantasma de um Gênio, 1922.



Boa noite gente, mencionei para algumas salas a crítica da posse do outro em Nietzsche, quando conversávamos sobre a rejeição da 'posse cognitiva' (sofista) na filosofia de Sócrates, que valorizava, acima de tudo, a busca pelo saber, própria da noção de filosofia, como o desejo (amor) por aquilo que não detemos (o conhecimento).
No §194 da "História natural da moral" do Além do Bem e do Mal, Nietzsche escreve o seguinte, sobre a relação possessiva que pode ocorrer entre homens e mulheres, nas atividade solidárias e voluntárias, e entre pais e filhos. Olhem só, no tocante à três tipos de disposição na relação possessiva de homens com mulheres:


"No tocante à mulher, por exemplo, [1] o homem mais modesto acha que dispor e desfrutar sexualmente do corpo já é indício bastante satisfatório de que a tem e possui; [2] um outro, com uma mais exigente e desconfiada sede de posse, vê o 'ponto de interrogação', o que há de tão só aparente nesse possuir, e quer provas mais sutis, sobretudo para saber se a mulher não só se entrega a ele, mas também renuncia, por ele, ao que tem ou gostaria de ter – apenas assim ele a tem 'possuída'. Um terceiro [3], porém, não se detém aí com sua desconfiança ou vontade de possuir, ele se pergunta se a mulher, ao renunciar a tudo por ele, não o faz talvez por um fantasma dele: deseja antes ser conhecido a fundo, em suas profundezas, para poder ser amado; ele ousa deixar-se penetrar. Só então sente ele a amada em seu poder, quando ela não mais se engana acerca dele, quando ela o ama por sua diabrura e insaciabilidade oculta, tanto quanto por sua bondade, paciência e espiritualidade."


Após a crítica à relação possessiva, Nietzsche faz uma crítica à gestos de solidariedade:
"Entre os [homens] solícitos e benévolos encontramos regularmente aquela astúcia singela, que primeiro ajusta e adapta a pessoa que deve ser ajudada: imaginando, por exemplo, que ela 'merece' ajuda, requer precisamente a sua ajuda e se mostrará grata, dedicada e submissa por toda ajuda – com essas fantasias dispõem dos necessitados como de uma propriedade, pois que são solícitos e benévolos por um anseio de propriedade.


Na sequência, segundo o mesmo raciocínio de crítica à inclinação possessiva da humanidade, segue na crítica à relação paternalista e condescendente de pais para com filhos:
"Os pais fazem dos filhos, involuntariamente, algo semelhante a eles; nenhuma mãe duvida, no fundo do coração, que ao ter se filho pariu uma propriedade; nenhum pai discute o direito de submeter o filho aos seus conceitos e valores. [...] E assim como o pai, também a classe, o padre, o professor e o príncipe continuam vendo, em toda nova criatura, a cômoda oportunidade de uma nova posse."


Queria pensar um pouco mais sobre essas linhas do Nietzsche, mas acho que elas, por si só, já provocam bastante a gente né? A crítica à posse cognitiva, de Sócrates, se torna aqui em Nietzsche uma crítica à dinâmicas de possessividade no geral, no amor, na compaixão e solidariedade, até a condescendência pais-filhos, professores-alunos, padre-fiel, etc.


Para não deixar só por isso, no Banquete do Platão, que nos importa, a ideia da filosofia como busca incessante pelo saber, ao contrário de propriedade cognitiva do saber é pensada por Sócrates (que pensa por meio de Diotima, a 'primeira filósofa' grega). Tomo a liberdade de citar Walter Benjamin, referindo-se à beleza da verdade:


"O belo [...] manifestando-se como aparência, e seduzindo [...], atrai a perseguição do entendimento [...]. Eros segue a beleza da verdade nesta sua fuga, não como perseguidor, mas como amante"


A verdade, irá concluir Benjamin (sobre sua noção em Platão/Sócrates), manifesta-se antes num processo de busca erótica, e não na sua posse cognitiva (tipicamente sofista).


Uma ótima semana para nós,

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