[ENEM] Helenismo (protocolo cético, cuidado de si e epicurismo)



Hei caras e caro/es,





Se não quiserem ler mas tiverem a oportunidade de ouvir a música do Bebeto, recomendo muito, ela é de uma felicidade esplêndida, me ajuda muitíssimo em momentos ruins (afinal, estamos falando de helenismo, né? Cuidado de si, terapêutica própria e como ter uma boa vida, apesar dos pesares)


Envio hoje a vocês o esquema de refutação cético que mencionei e me perguntaram, esse protocolo visa percorrer o mundo sensível ou o campo de aparências a fim de assegurar a indiferença, a suspensão de juízo, e garantir a boa vida (ética).


1. diversidade animal: a percepção do mundo não pode ser idêntica a todos (animais humanos e extra-humanos). Se são diferentes, não podemos dizer nada de seguro e bem-fundamentado (verdadeiro) sobre a realidade. Portanto, suspendemos o juízo.
2. diversidade humana: os humanos diferem entre si, as coisas nos afetam de diferentes formas. Portanto, não podemos dizer sobre as coisas como elas são. Suspendamos o juízo.
3. diversidade dos sentidos: "Uma maçã é pálida para a vista, doce para o paladar, perfumada para o olfato" (Ensidemo); uma mesma coisa é percebida de diferentes formas; ela não é mais uma do que a outra (porque nossa representação mental da maçã é pela coloração e pela figura?? E não pelo croc croc, etc.? Qual é a maçã?). Suspendemos o juízo sobre a coisa.
4. diversidade de estados/condições/situações: Uma mesma pessoa difere no tempo de sua vida, aos 15 anos e aos 8, aos 46 e aos 23. Como haveria um juízo certo sobre alguma coisa em algum tempo de sua vida? Suspendemos o juízo.
5. diversidade de costumes: Os costumes variam. As leis e crenças variam. Como saber o que é convenção social e o que seria natural? Suspendemos o juízo.
6. as coisas misturadas: As condições metereológicas alteram nossos sentidos. Como saber da condição correta? Qual o critério? Suspendemos o juízo.
7. diversidade espacial: As coisas variam de acordo com a posição (o longe e o próximo), o local do observador. A montanha é sua espacialidade para aquele que sobe ou sua distância para aquele que a vê de outra montanha? Suspendemos o juízo.
8. diversidade quantitativa e qualitativa: um grão de areia e um montante de areia tem sensações diferentes. Uma rua vazia e uma rua cheia de carros igualmente. Um remédio é veneno em doses altas e cura em doses adequadas. O que são essas coisas que variam em quantidade? Suspendemos o juízo.
9. singularidade do acontecimento: repetição e singularidade. Eventos comuns deixam de surtir efeito quanto ocorrem repetidamente. Eventos extraordinários surtem efeitos imensos quando vêm a sua existência singular. Como julgar suas naturezas? Suspendemos o juízo.
10. a relação: Uma pessoa é alta diante de uma baixa e baixa diante de uma maior, e esta última, pequena diante de um boneco de posto. Uma pessoa é fraca diante de um colosso mas forte diante de uma criança. Como julgar coisas que dependem de relações? Suspendemos o juízo.


Existem outras refutações sobre a verdade e a causalidade. Mas essas são sobre o mundo que nos aparece. (Lembram? Da diferença entre essência e aparência? Razão e sensibilidade? Mundo das ideias e mundo sensível?)


Tem uma "refutação" dos céticos (acho essa palavra criminosa pra pensar filosoficamente) que vem de um epicurista generosíssimo chamado Lucrecio, que diz em versos, alçando os sentidos à base da verdade:


"Pode depor a razão decorrente de falso sentido
contra os sentidos, se ela toda provém dos sentidos?
Se eles não são verdadeiros, toda razão será falsa.
Podem acaso os ouvidos refutar nossos olhos?" (Da Natureza das Coisas, Livro IV, 483-486)


O mesmo Lucrécio pensa na morte, diante da Praga de Atenas (que pode se atualizar no presente como uma interpretação crítica da pandemia do coronavirus) – são fragmentos que restaram do incompleto Livro VI. Destaco esta passagem, que me fez um tremendo bem e me encheu de fúria e lamúria, ainda em nossa experiência histórica presente essa passagem grita, acode e alenta.


"[O] mais lamentável e triste era quando
uma pessoa, ao se ver afetada pela doença,
tal que a sentença de morte contemplasse, sem volta,
desfalecendo no ânimo, com coração pesaroso,
como se visse o seu funeral, já deixava a esperança.
Com efeito, o contágio ávido da pestilência
de um a outro passava, atingia sem pausa nenhuma,
como se fossem rebanhos lanígeros, massas bovinas.
O que se via, então, eram pilhas de mortos em mortos.
Todo aquele que recusava visita aos doentes
agarrado demais à vida, com medo da morte,
era punido mais tarde com morte torpe e penosa:
pelo egoísmo, carente de ajuda, morria sozinho.
Os que prestavam auxílio, pela fadiga e contágio
pereciam, pois isso a pudor, a voz branda
dos prostrados, e os muitos lamentos os impeliram.
Os virtuosos sofriam desse tipo de morte. (De Rerum Natura, Livro VI, 1230-1246)


Por fim, a música do Bebeto que me ajuda (principalmente em momentos tristes) a ter gozo na própria existência e na vida. A análise dos prazeres dos epicuristas clama pelo prazer na vida em si. Existir é o maior prazer, ele tem por modelo as divindades, é o mais estável, é permanente, é um prazer que existirá enquanto existirmos. Acrescente-se a isso que a morte não nos deve amedrontar, pois quando ela é, nós não somos. Portanto, não há porque temê-la em nossa existência, só em nossa inexistência, na qual não há mais temor. O regozijo de si, na própria existência é o prazer mais estável e mais equilibrado, é a tranquilidade da alma, a ausência de perturbação (imperturbabilidade, que os gregos chamavam de ataraxia). A existência é o melhor dos prazeres. Ter prazer na vida é cuidar de si.


Se quiserem, na folha de citação anexada, tem um trecho de um psicanalista que bem sugestivo, sobre trauma e representações anestesiantes. Ele usa o exemplo da ida ao dentista, nossa representação mental anestesiante é: isto não vai durar muito e logo tudo estará bem. Será que todo esse cuidado de si helenístico é uma ilusão com um mundo em estágio terminal?


Abraços,

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